domingo, 16 de janeiro de 2011

Enquanto Brasília não dorme

Enquanto Brasília não dorme
Entre eles um espaço de mais ou menos 78km. É claro que no facebook estão bem mais próximos e trocam palavras com certa freqüência. Ele é meio tímido, na verdade, é preciso confessar, ele é bastante tímido, tem dificuldades até para responder comentários sobre seu status. Também pudera....muita exposição equilibrar suas palavras nessas linhas virtuais. Lembra que a professora de português do primeiro ano havia dito, “uma vez escrito, uma vez provado”. Apavora-se. Pensa de forma mais dramática ainda...Se eu escrever algo e ela não gostar? O medo de gerar um desapontamento parece a dor da primeira vez que caiu de bicicleta.
Seu jeito meio lento de ser, como se povoasse um mundo meio particular é capaz de gerar uma concentração meio especial que faz nascer de suas mãos desenhos inacreditáveis. Foi assim que decidiu se manifestar, respirou fundo, correu pro seu mundo e zack! Em algumas horas e lá estava ela, toda vestida de pop art. Cabelo rosa, blusa amarela, um fundo azul cheio de retículas e aqueles óculos que o tinha deixado cego de encanto e charme. Ela fica muito bem de pop arte! Pensou ele. Crítica, marcante, irreverente, ácida, cheia de cor, o marco da modernidade para a pós-modernidade...não faltavam adjetivos relacionados. Quando se deu conta da viagem que lhe tirava o chão...sentiu avermelhar-se a face e resolveu descer.
Ela, uma pouco mais velha que ele, uma pose de garota segura, inteligente, moderna e descolada. Exigente com música (não suporta reggae) , exigente com livros (aparece com autores que você nem sabe pronunciar o nome), exigente com respostas (seja por e-mail, telefone ou pessoalmente), exigente com homens, exigente com mulheres, exigente com ela. Tão exigente que às vezes se cansa e tem vontade de fazer algo quase não-civilizado como comer com as próprias mãos pra poder se sentir bem livre. Isso tudo somado ao seu jeito espontâneo de falar, mover as mãos, as roupas super estilosas, os comentários inteligentes dos milhares de blogs que acompanha e aquele ar intelectual que uns atribuem aos óculos, outros ao corte de cabelo apelidado de “sapatão sofisticada”, fizeram a garota de baixa estatura, guardadas as devidas proporções ser, para ele, quase como uma Madona é para os gays.
Nele fascinava as mãos habilidosas, o olhar de quem foge para dentro e, claro, dos pés a cabeça aquela roupagem tipicamente nerd que da vontade de beijar a pessoa, botar no colo, fazer carinho...e tantas outras coisas que ela já imaginava, ou seria fantasiava?
A iminência de um encontro pairava no ar. Ela adiou o quanto pode, talvez por insegurança, por não saber o que vestir, onde colocar as mãos, se os pais dele estariam em casa ou não...por medo de achar bom, por medo de achar ruim e se arrepender de ter ido. E, você acaba de descobrir um de seus segredos. Isso mesmo, ela não era tão segura como podia parecer. Alguém é? Ele mandou o desenho pra ela, que amou se ver toda trabalhada na pop arte. Orgulhou-se, mandou para os amigos, foto do perfil, aquilo encheu de cor a sua página e talvez tenha até transbordado da rede.
O dia combinado chegou, ela se arrumou, pensou novamente me não ir. Foi até lá fazendo cafuné na ansiedade. Ele mora no Vale do Amanhecer, lugar místico, bastante eclético que enche os olhos de qualquer um. O dela brilhava só de pensar. Na parada de ônibus quem respirava fundo era ele, dizendo pra si mesmo....está tudo bem, vai dar tudo certo e traçando mil estratégias sobre o que dizer, como agir...O ônibus pára. Ela desce. Eles se encontram. Um tentando amenizar a alegria exagerada mais que o outro. Caminham até a casa dele. Os pais, mais envolventes do que se esperava, tecem conversas divertidas e cativam os exigentes ouvidos dela. Seus olhos se detêm por alguns minutos no altar cultivado pela mãe, nada pergunta, guarda a imagem. Após o almoço, onde olhares se alternavam aos movimentos dos talheres, conversas descontraídas... o aguardado momento de privacidade.
O quarto não era nem grande nem pequeno:
- Nossa, você tem uma cama de casal no seu quarto?!
- É...(intenção de segurança)...as vezes posso precisar trazer...
- (alguns segundos de silêncios quase constrangedores)
Ele liga o DVD para assistirem aos 02 filmes especialmente escolhidos, depois de intermináveis dúvidas. Ela vê com o olhar de curiosidade e entusiasmo. Mentira. Ela já tinha visto os filmes, mas...queria manter o encanto do encontro, ou seria o encontro encantando? Ele pensava que tinha acertado. Durante o filme, imagens, respirações mais profundas e lentas, corpos que se mexem, um o outro olhar. Um olhar deliciosamente mais demorado, como aqueles que desejam revelar um mundo. Mãos que quase se tocam. Comentários sobre o filme, ele diz que a personagem principal é bem ousada e cheia de iniciativa. Ela pensa que talvez ele esteja dizendo aquilo pra ela. Ela interpreta cada gesto e até as pausas dele. Ele espera por não saber como tocá-la . A boca saliva, os lábios secam. Mais um pouco de ar. Termina o filme.
Ele vai com ela até a parada de ônibus, os dois pensam que poderão conversar um pouco mais enquanto o temido veículo não chega. Talvez nasça até um beijo na hora de dizer tchau. Pura ilusão, o ônibus nunca havia chegado tão rapidamente, ele pede para parar, ela entra. Um olhar, ela vai.
Ele refaz o caminho de casa re-fazendo o encontro e talvez dirigindo a si mesmo em cada situação. Ele a beija profundamente e na comunhão de ar entre duas bocas, imagina de leve como uma lagarta se sente ao virar borboleta ou como uma borboleta se sente no primeiro vôo. As borboletas têm vida curta, às vezes tudo acontece em um único dia.
Num ônibus comum e desconfortável como esses que existem em qualquer cidade, ela está sentada, a janela é como a moldura de um quadro para o mundo lá fora e para a vida aqui dentro. No iPod toca Virginia Moon na voz de Norah Jones.
Brasília anoitece, como de costume.

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